Amalgamados

Por muitas e não levianas razões, esta exposição representa um monumento muito especial.

Fernando Madeira retorna à Cidade de Goiás como artista. Não mais para oferecer soluções urbanísticas ou arquitetônicas para a preservação do rico patrimônio da cidade, mas somente o artista, isto é, despojado de toda intenção utilitária, poesia pura, finalidade suprema da arte.

Nada melhor do que buscar a Filologia para elucidar uma questão bizantina mas que inquieta o artista. Artista? Restaurador? Arquiteto?

Almagamados, dislexia poética que autoriza o sujeito a pôr sua alma em qualquer lugar em que esteja. Alma, todo mundo sabe o que é, anima em latim, aquilo que vivifica; mas… gamados? Recorro ao dicionário: gíria brasileira, vidrado, cruzado, de “gama” que quer dizer cruz.

Fernando é artista cruzado. É artista quando elabora seus projetos de arquitetura, é artista quando restaura. Porque artista é artista. Conheço mesmo artistas que não deixaram obras e não deixaram de ser artistas.

Artista é artista. Como Midas, em tudo o que tocava, vira ouro, vira arte. Lixo ou rejeitos; papeis, papelões, areia, folhas, gravetos colhidos no cerrado. Tudo o que vê, tudo o que recolhe, tudo se transmuta em beleza; em tudo há a marca da sensibilidade como guia.

A sensibilidade vem sempre antes da razão, antes mesmo da pesquisa técnica que dá forma a suas criações. O arquiteto e o restaurador são artistas e o artista é arquiteto e restaurador, pois é inegável o vínculo de suas obras com a arquitetura e o restauro.

Para esta exposição no Instituto Biapó, foram selecionadas obras mais diretamente relacionadas às práticas acimas referidas. Começando pelo último trabalho – uma placa em concreto armado encontrada por acaso no cerrado – seguem-se colagens , assemblages, pinturas, instalações e intervenções, obras realizadas em diferentes épocas e que denunciam, essa espécie de obsessão em preservar o que é belo e conter a destruição, o desgaste inevitável que vem com o tempo e o descaso. Paradoxo e angústia do artista que deseja conservar o tempo, mesmo tendo constado ou tido uma revelação, ao encontrar a placa que dizia ser a única constante da vida a mudança.

A oportunidade de reunir obras dispersas entre diferentes colecionadores; a sugestão de reler a obra de Fernando Madeira a partir da perspectiva do amálgama; o acolhimento da Cidade de Goiás; o convite do Instituto Biapó; os esforços reunidos e a cooperação intensa entre os responsáveis por essa Exposição são razões que tornam esse evento marcante para o artista, para os realizadores e para a cidade de Goiás.

Angélica Madeira

Curadora